quinta-feira, 28 de abril de 2016

Do Brega ao Funk: dois casos de “perseguição cultural”.





Prof. Eduardo Schütz - Licenciado em História pela Universidade Luterana do Brasil, bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Do Brega ao Funk: dois casos de “perseguição cultural”
               

Nessas breves palavras, buscaremos, a partir de uma abordagem de história comparada, tecer alguns comentários sobre as duras críticas dirigidas a artistas de origem popular no cenário musical brasileiro.
                Nos anos 70, em meio a um intenso processo de urbanização, novos cantores ganhavam popularidade no país. Nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Gilberto, Milton Nascimento, entre outros, já haviam se consolidado como artistas de sucesso e qualidade no país. Mas apesar de todo reconhecimento que estes desfrutavam eram cantores de origem popular os responsáveis pelas maiores vendagens de discos.[1]Com tiragens de centenas de milhares e não raro acima de um milhão de cópias vendidas, Waldick Soriano, Nelson Ned, Agnaldo Timóteo e Odair José eram alvos de duras críticas da grande mídia e críticos do setor musical. Acusados de não terem talento, não saberem cantar, receberam a alcunha de cafonas e, mais tarde, nos anos 80 ficariam conhecidos como bregas. Alcunha recebida em virtude de suas canções serem muito populares em meretrícios, chamados de brega em algumas regiões do Nordeste.[2]
                Comparando o cenário atual da música brasileira, podemos observar certas certas permanências nos alvos e no conteúdo da crítica. Nos 70, aqueles artistas que retratavam sofrimentos amorosos e outras temáticas, muito populares entre a grande massa da população brasileira, o que se prova através das altas vendagens, eram acusados de não terem talento, como já foi acima citado. Atualmente, percebemos críticas com certa semelhança ao funk carioca, guardadas as diferenças no tempo histórico, pois o Brasil do período vivia sobre uma ditadura militar, perseguições políticas promovidas pelo Estado. Atualmente o cenário é outro, mas a perseguição à cultura popular segue.
            O funk carioca é um estilo largamente difundido em nossa sociedade, principalmente entre a juventude das periferias, não apenas do Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Essa expansão custou muito caro ao estilo, pois quanto mais ganhava novos adeptos, mais críticas recebia.[3] Dentre as principais críticas estão o conteúdo das letras, que longe de conter o romantismo tragicômico típico da sociedade burguesa falam de sexo abertamente, abordam o tráfico de drogas, nem sempre fazendo apologia, apenas abordando de forma direta a dura realidade da favela.
 Também há aqueles que desdenham em virtude de suas letras não seguirem a norma culta do português, ou seja, serem carregadas de gírias e de linguagem popular, mais uma clara forma de opressão. Por último, tem a forte herança cultural afrodescendente nos ritmos. O funk carioca foi construído a partir de influências da Black Music, ou seja, ritmos afrodescendentes estadunidenses, além de mesclar à cultura nacional criaram um estilo que acrescentaria ainda a música eletrônica.¹    
            Do Pancadão ao Ostentação
            Os funks que falavam sobre o tráfico de drogas e sobre sexo foram denominados de várias formas, proibidão, por exemplo. Sofrendo as maiores e mais enfáticas abordagens críticas por parte dos setores mais conservadores e elitistas de nossa sociedade o proibidão foi muito tocado nos bailes funks, festas largamente difundidas nas comunidades cariocas e perseguidas pelo poder público nos anos 90, mas que hoje possuem versões para entreter setores da elite. Como já ocorreu com outros estilos musicais no passado, atualmente existe o funk aceito pela mídia, o funk ostentação. Nomes como Mc Biel, Guimé e Anita são muito conhecidos do grande público, frequentemente presentes em programas de televisão detém as maiores atenções dos holofotes. Mas o que poderia ser o início de uma aceitação ao funk se apresenta mais como uma forma de apropriação, visto que artistas brancos recebem o maior espaço de divulgação midiática, contradição gritante para um estilo oriundo da cultura afrodescendente. Sendo o funk uma música negra, por que não temos representantes negros no centro das atenções? Por que o proibidão segue censurado na televisão e no rádio? Novamente vemos uma perseguição a cultura popular, uma tentativa de esconder determinadas manifestações legitimamente populares, manifestações que desconcertam as autoridades, as elites, a famigerada família brasileira. Manifestações que mostram uma parte do Brasil que segmentos mais conservadores e elitistas da sociedade brasileira querem esconder, esquecer.
            Ao que parece um dos grandes “pecados” do funk foi “ousar” abordar temáticas que pertenciam à musica burguesa, o nosso bom e velho rock in roll, sexo e drogas. Afinal de contas sexo e drogas são coisas inexistentes no cotidiano das classes médias e altas brasileiras? Não é preciso responder a tal questionamento. O que se faz necessário é refletirmos sobre os reais motivos que motivam as críticas ao funk carioca, preconceito, moralismo, incompreensão, discriminação? Este é um questionamento que merece nossa atenção.
Se nos anos 70 os cantores românticos eram alvos das críticas da imprensa e de segmentos mais elitistas da sociedade brasileira, pois abordavam temáticas que não estavam no cerne do interesse desses grupos, hoje temos o funk que desconcerta, que assim como os românticos de outrora, não pedem licença, apresentam sua proposta e conquistam grande parte da sociedade brasileira.

*Esse texto é um esforço reflexivo inicial. Todas as críticas e sugestões serão muito bem-vindas.





[1] Ver ARAÚJO, Paulo Cesar de . EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO. 8° edição, Rio de Janeiro: Record, 2013.
[2] Idem.
[3] Ver FACINI, Adriana. NÃO BATE DOUTOR; funk e discriminação da pobreza. Disponível em

Receita de bolo, em horário nobre.


Receita de bolo, em horário nobre.

Jefferson Meister Pires – bacharel em Ciências Sociais

É lógico que o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff é uma luta por poder, praticamente todos os processos políticos envolvem disputa por poder e controle. Mas será que é sempre necessário explicar o óbvio?
Algo que assusta é que muitas pessoas estão enojadas da disputa política, como se não fizessem política todos os dias, talvez não saibam que quando emitem opiniões estão fazendo política, quando dão um like ou dislike estão fazendo política, as redes sociais são espaço cada vez mais de política. É muito provável que a leitura de Aristóteles e seu zoon politikon pudesse esclarecer questões como esta. O problema é que a leitura de Aristóteles, Platão, Sócrates e outros filósofos só ocorre no final do ensino médio, isso quando ocorre, fato que por si só torna preocupante a perspectiva de esclarecimento nas próximas gerações.
Mas o que está por trás desse “nojo” sobre a política é a famosa ideologia do saco de gatos, o reducionismo simplificador da realidade que tenta a todo momento igualar opiniões e ações, como se todo o pensamento fosse produto da mesma matriz e se todas as ações levassem ao mesmo resultado. Ditados populares proliferam sobre a atuação dos políticos, partidos já não importam mais, muito menos questões ideológicas, a única e dominante ideologia que passa a existir é “ganhar dinheiro”.
Trata-se de uma daquelas armadilhas que criam um círculo que chamamos de vicioso, pois ele não consegue sair do mesmo lugar nem criar soluções diferentes, temos situações que se assemelham em momentos decisivos da política e sociedade nacionais. Quando a maior parte da nossa classe dominante sente seus privilégios ameaçados, cria ou maximiza uma situação de crise, especialmente econômica, que envolve e amassa principalmente as classes médias e pobres. Estas mesmas classes dominantes monopolizam os meios de informação e comunicação e passam a sistematizar campanhas contra o governo que está ameaçando seus privilégios, dizendo diariamente que a crise é resultado da ação incompetente do governo, escondendo quaisquer outros fatores, internos e externos. Existe, porém, um elemento decisivo para que se insuflem os ânimos até chegar ao ápice da campanha de destruição de um governo e seus ocupantes, a temível corrupção.
Assim a corrupção adquire status de demônio, aliás, em um dos upgrades dessa forma de pensar, as igrejas neopentecostais se unem à campanha virtuosa de combate ao mal (corrupção do governo), pois na era de Vargas não houve um expressivo envolvimento religioso, já na época de Jango foi a Igreja católica que defendia as famílias contra a corrupção moral do comunismo, agora são os evangélicos que se unem através de uma das mais conservadoras bancadas de deputados da curta história de nossa democracia e do nosso congresso nacional, sempre em defesa da família (da família de quem?).
É quase como criar uma receita de bolo: Junte uma porção de problemas econômicos com um bocado de problemas sociais, misture tudo com um número sem fim de notícias dirigidas e manchetes fabricadas, adicione um ou dois pseudo-intelectuais para dar sustentação à massa. Para o recheio, junte o nível educacional extremamente baixo com um incessante desejo de consumir e adicione umas pitadas de saudosismo, conservadorismo, revanchismo e medo, não economize nos escândalos de corrupção. Adicione o recheio à massa e deixe assando por alguns anos. O retorno é garantido, saboreie golpe.
Vargas, Jango duas vezes e agora Dilma, em um período de sessenta e poucos anos estamos assistindo à quarta tentativa de golpe com a mesma cara, mesmo roteiro, embora atores diferentes. Uma luta pelo poder de impor ideologia, no caso, a ideologia daqueles que possuem privilégios e não querem compartilhá-los. Tentam mostrar à maioria que existe uma minoria que merece aproveitar as facilidades da vida, pior, tentam mostrar que é possível a qualquer um chegar ao patamar de aproveitar os benefícios do capital, basta o esforço.
Disputa por poder sim, mas disputa pelo direito de ser Presidente da República e de todo o poder que advém deveria ser apenas durante o período eleitoral, deveria estar restrito às regras democráticas e com projetos definidos de poder. Dizer que todos os políticos são iguais só faz reforçar a ideia de que não importa quem está no governo, a corrupção será a mesma, os problemas serão os mesmos e as soluções (ou a falta delas) também. É negar que mudanças existem, mesmo que lentas, é negar que existem pensamentos diferentes, é dizer que o Estado vai sempre ser o lugar da corrupção e dos corruptos, enquanto que as empresas e o mercado são o paraíso da competência e da virtude.
Estamos vivendo um momento perigoso, onde mais uma vez se torna imprescindível explicar o óbvio, mas com muito cuidado, pois em tempos de golpe basta uma palavra mal colocada para os ânimos explodirem, ou pior, basta uma palavra mal colocada para séculos de pesquisas e desenvolvimento do conhecimento acabar sendo desqualificados e tratados com ironia ou desprezo, com a simplória ideologia do saco de gatos.


sábado, 23 de abril de 2016

As pequenas mãos de Kerexu

As pequenas mãos de Kerexu



Em uma manhã de sol, onde Ñamandú iluminava a todos os mbyá, e com seus raios os aquecia, eu nasci. Filha de Kuery e Varyjú, na terra de nossos ancestrais, Tekoá Koenjú. Meu nome é Kerexú, nome dado para mim por Ñanderú Tupã, através de nosso karaí Tukumbo, e significa “luz do luar”, na língua dos juruá.

 Sei disso porque precisamos aprender a língua deles, mas isso foi depois que saímos de Koenjú. Eu era menor, mas lembro que minha avó, Ryapua, chamou meu pai bem cedo, antes de tomarem cá’a, conversaram um pouco e saíram rápido, depois fiquei sabendo que minha avô, cacique Jekupe, havia falecido.

Lembro que meu pai, meus tios e outros homens da aldeia lamentavam muito a morte de meu avô, diziam que era um mbyá de grande valor e sabedoria, que guiava o meu povo com justiça.

Dias ruins foram aqueles, muitas noites ouvindo os cantos e ‘rezas’ vindas da opy. Acima de onde meu avô foi enterrado, um grande monte foi construído um grande monte. Fiquei curiosa e perguntei para meu pai o porque daquilo, e ele apenas disse que todas as coisas que o mbyá precisa aprender virão aos poucos, aprendendo com os mais velhos e durante as meditações na opy, e que meu avô era um mbyá de grande valor, que chegou muito perto do modo de vida ideal. Eu não entendia bem essas coisas, ainda não entendo, mas sei que o que disse meu pai era verdadeiro.

As orações pelo meu avô continuavam, assim como nossa vida também seguia o curso normal. Em uma manhã, eu, minha mãe e meus irmãos, fomos junto com outras mulheres vender coisas para os juruá, no lugar onde eles chama de ‘ruínas’. Minha mãe levou cestas que ela mesmo fez, e eu a ajudei a fazer, também levou bichinhos que meu pai fez e também colares.

 Um dia perguntei para meu pai como ele aprendeu  a fazer aqueles bichinhos, e ele me respondeu que, todas as coisas que fazemos, seja as cestas, colares ou os próprios bichinhos, são talentos dados ao mbyá por Ñanderú Tupã, pois ele sabia que, um dia a terra seria tomada pelos juruá, e as matas cairiam, e os mbyá já não teriam muitas terras para plantar, e o talento de fazer artesanatos, como chamam os juruá, seria o modo dos mbyá conseguir sobreviver, ter comida para comer.

 Em koenjú plantamos milho, mandioca, mas nós precisamos vir sempre aqui para vender. Não gosto muito, os juruá ficam nos olhando com muita curiosidade, como se o mbyá fosse um bicho que eles nunca viram antes, algumas vezes nos dão fruta, ou tiram fotos, mas não compram muito não, sempre voltamos com coisas para casa que não foram compradas pelos juruá.

Minha mãe fica brava, porque eles vinham ver as ruínas, que são terra de mbyá, mas não compram nada e nos olham com cara de pena. “Não precisamos do dinheiro de vocês”, ouvi minha mãe falar para um juruá, mas ele não entendeu, sorriu e tirou mais uma foto. Sempre quando estávamos lá, minha mãe e minhas tias orientavam a nós, as crianças, a sempre que um juruá passar por nós, deveríamos estender a mão. De início eu não entendia o porque de fazer isso, mas nós fazíamos, e algumas vezes recebíamos troquinhos deles, outras vezes eles nos davam comida, frutas, roupas e doces, mas não eram sempre.

Tinha juruás que nos olhavam com cara de mau, parecendo que tinham m’boguás nos seus olhos, prontos para saírem e nos pegarem. Um dia, pela manhã, enquanto meu pai tomava cá’a com minha mãe e fumava em seu petyguá, eu perguntei a ele o porquê que fazíamos aquilo, e ele me explicou que, o poraró, nome em nossa língua para o que fazíamos, e que na língua dos juruá significa ‘esperar com a mão’, é uma maneira que nosso pai, nãnderú tupã, criou para que pudéssemos compartilhar com os juruá os mesmos espaços, e que dessa maneira eles, ao doar algo para nós, como coração puro e generoso, serão dignos que nãnderú tupã olhe por eles também. Desse em diante, não mais questionei sobre o poraró, e sempre que saia para as ruínas com minha mãe.

Os dias passavam em Koenjú, e eu e meus irmãos sentíamos muita saudade de nosso avô, meu pai também sentia, ele não falava, mas podíamos ver isso. Um dia ele ficou doente, não conseguia ir na mata e nem na plantação; minha mãe chamou Karaí Tukumbo para ver meu pai e leva-lo para a opy.

Quando ele melhorou e voltou para casa, olhou para nós e disse que iríamos ir embora, era preciso caminhar para que não mais sentíssemos saudade ou doença. No  dia seguinte estávamos a caminho de Porto Alegre, para uma aldeia chamada Tekoá Añenteguá, onde um primo de meu pai era o cacique. Durante nossa viagem, nosso pai nos falava que, para um mbyá ser saudável, e viver de acordo com nosso mbyá rekó, era preciso andar, jeguatá, ficar muito tempo em um mesmo lugar não era bom.

Depois de dias de viagem, chegamos a Añenteguá. Estranhei muito no início, pois havia muitos juruás perto da nossa aldeia, não estava acostumada com isso em Koenjú. Depois que nos instalamos, minha mãe passou a conversar com as mulheres, muitas delas suas amigas ou parentes distantes. A aldeia era grande, não como Koenjú, mas tinha uma área de mata e uma pequena plantação. Tinha também um açude onde tomávamos banho e uma escola, onde aprendíamos a escrever em nossa língua, mas como os juruás escreviam. Tinha também um posto de saúde, tinha medo de ir lá, pois lembro que mulheres juruás vestidas de branco davam pic na gente e doía muito.

Com o tempo eu e meus irmãos fomos nos acostumando com nossa nova aldeia, e nos divertíamos muito com as outras crianças mbyá.

Um dia, minha mãe nos avisou que na manhã seguinte íamos a um lugar chamado centro, onde venderíamos nossos artesanatos. Vi que meu pai não gostou muito da ideia de minha mãe. No outro dia perguntei a ela, então ela me respondeu que meu pai, assim como outros homens não gostam muito que suas mulheres e filhos saiam assim, para vender e conseguir algum troquinho,  mas minha mãe disse que era preciso, pois aqui em Añenteguá tínhamos o mesmo problema que em Koenjú, havia pouca terra para plantar para todos nós.

Na chegada ao centro da cidade fiquei assustada, meus olhos nunca haviam visto tantos juruás juntos, caminhando muito rápido em ruas cercadas de casas muito altas, que eu não havia visto antes. Minha mãe escolheu uma rua para ficarmos, próximo a uma praça com muitas árvores, ela estendeu o pano, colocou o artesanato e ao lado deixou um potinho, que eu sabia que era para que os juruá pudessem colocar troquinho para nós.

 Muitas pessoas nem ao menos nos viam, quase nos batiam em sua pressa, já outras nos olhavam com muita pena e com raiva para nossa mãe, algumas até falavam coisas que a magoavam, mas minha mãe permanecia ali.

 Algumas pessoas que passavam por nós tinham em seus olhares tão feios m’boguás escondidos, assim como nas ruínas, parecendo que nós éramos coisas ruins que ali estavam. E todas as vezes isso sempre acontecia, muitas pessoas passando, mas poucas percebendo nossas mãos estendidas, esperando. Um dia, eu estava triste, pois sentia que todos aqueles juruás não queriam que nós estivéssemos ali.

 Até que uma senhora parou na nossa frente, nos olhou com um olhar que me lembrou minha avó, se agachou na minha frente e me disse ‘Oi, tudo bem com você?’, olhei para minha mãe e ela consentiu que eu respondesse, eu disse ‘sim’. Ela pediu que estendesse a mão, eu estendi e ela disse: ‘Que mãos lindas e pequenas você tem, acho que precisamos colocar algo em suas mãos.’, e ela começou a colocar uma porção de moedas, balas, doces e deu para minha mãe uma sacola com alimentos para nós.

 Com um sorriso ela se despediu e disse que viria nos ver outras vezes, e de fato voltou, ficando amiga de minha mãe e da gente, sempre nos ajudando todas as vezes que vinha. Passou a me chamar carinhosamente de ‘Kerexu mãos pequenas’, por causa da primeira vez que ela falou conosco, pois não tive como segurar nas mãos tudo o que ela nos deu naquele dia.

Essa senhora me fez olhar de outra maneira para os juruás, sei que nem todos fazem como ela, mas sei que todos os que nos ajudam como ela, como diz as palavras de meu pai: serão iluminados por Ñamandú  e Ñanderú Tupã os dará força em suas vidas. 

O inverno rude e as tempestades de retrocesso que se aproximam.




Daniel da Luz Machado - Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade São Judas Tadeu e Bacharelando em Ciências Sociais pela UFRGS & Ator.




O inverno rude e as tempestades de retrocesso que se aproximam.



               No último domingo a cobertura das atividades da Câmara dos Deputados Federais em Brasília na votação para formalizar o pedido de impeachment da Presidente Dilma Rousseff  foi muito além de um processo administrativo e político.

            O que se votou e foi decidido ali, ultrapassa o simplismo avaliativo e instiga profundas reflexões aos rumos que a Nação Brasileira tomará na próxima década.

            Não há nada mais desigual do que em um país de profundas desigualdades, adotar uma postura liberal conservadora, por aqui devido ao complexo plano seletivo de tratamento e a quase inexistente mobilidade social, em um plano mais profundo, visto que capacidade de crédito não significa uma real mudança de paradigmas.

            O que se viu na Câmara dos Deputados foi um cenário dantesco e catastrófico que ajudou ainda mais a desacreditar a classe política perante o cidadão comum. O comportamento carente de boa educação, carente de argumentos inteligentes e até com exaltação a torturadores que mancharam a história nacional com seus crimes, além do alinhamento nocivo de questões religiosas com questões políticas em nada contribui ao processo democrático, que, aliás, foi assassinado a sangue frio no dia 17 de abril de 2016.
          
  O processo de encaminhamento da proposta de impeachment ao Senado Federal foi conduzido pelo Deputado Eduardo Cunha, um agente político que é réu em outras instâncias, além de comprovadamente ter mantido uma postura ilícita ao longo de sua vida pública, como se não bastassem às inúmeras fichas sujas da grande maioria que votou contra o governo federal.

            No dia 17 de abril perdemos a chance de ter  uma aula de democracia, onde a coerência falasse mais alto e acalmasse os ânimos perigosamente acirrados por um binarismo que toma conta da população amparada em conceitos de senso comum, mas que são amplificados por atitudes inapropriadas de alguns agentes políticos. Esse era o momento de mostrar que mesmo descontente com um governo, o revanchismo vingativo nunca foi nem será saída para mudanças estruturais e realmente importantes.

            Demos ao mundo uma prova substancial não apenas da juventude da nossa democracia, mas acima de tudo da imaturidade de um sistema político onde diversos elementos com conduta pública comprovadamente ilícita encaminharam o início do afastamento de uma Presidente que contrariamente aos seus acusadores não tinha crimes comprovados.



            É! Apesar do forte calor, desconfio que o inverno chegou  mais cedo e com ele a rigidez conservadora de quem sempre mandou no país sem resultados satisfatórios ou dignos de apreciação da população que será engolida pelas tempestades de retrocesso.

sábado, 16 de abril de 2016

Cabelo Crespo, Signo de Resistência Cultural Negra

Cabelo Crespo, Signo de Resistência Cultural Negra
Significação e (re)significação do cabelo negro.

Prof. Sérgio Pires - Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente bacharelando em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O cabelo, assim como o corpo, possui toda uma significação social, não de maneira isolada, mas inserido em um contexto de construções de relações inter-raciais presentes no dia a dia da nossa sociedade brasileira.

Muito mais que uma questão meramente estética, o cabelo está intrinsicamente ligado ao modo como que o próprio negro se vê, e de como ele é visto pelo outro, perpassando por processos de valorização e revalorização, e um processo contínuo de construção indentitária. Esse processo, uma vez que cabelo e corpo são pensados pela cultura, e que estamos em um país em que há todo um mito de uma democracia racial, mas que na verdade o que existe é um racismo ambíguo, apresenta uma série de tensões e contradições, evidenciadas na relação com o olhar do outro. Nesse sentido, corpo e cabelo negro tornam-se expressões e suportes simbólicos na construção da identidade negra no Brasil.

O padrão de beleza imposto hoje pela sociedade, que é notadamente branco, dá-se pela dominação política, econômica e cultural do branco, e nesse sentido, em virtude dessa imposição, construiu-se zonas de tensão, pois o negro não a aceita de forma passiva, uma vez que o padrão real no Brasil é negro e mestiço.

Essas zonas de conflito se fazem necessárias,  pois é parte integrante do processo de construção da identidade do negro no Brasil, que se dá justamente pelo contato com o outro, pela negociação, pela troca, pelos conflitos e pelo diálogo, uma vez que nenhuma identidade é construída no isolamento, havendo a necessidade desse contato, não somente com o outro, mas com o próprio grupo de atores sociais envolvidos nesse processo.

Esse processo de construção identitária através da estética, ou utilizando-se da estética e agregando outros valores, apresenta outra característica, também de grande complexidade, citada tanto por Abdias do Nascimento quanto pela autora que elegemos como nosso referencial, Nilma Lino Gomes, que se refere a graduação da cor da pele e ao tipo de cabelo. A complexidade se dá, uma vez que no Brasil, há uma classificação que se baseia nessa questão, graduação de cor de pele e tipos de cabelo, para definir quem é negro ou não. Para aqueles atores sociais que são afrodescendentes, mas que possuem pele mais clara ou cabelo menos crespo, quando nesse processo de autoafirmação identitária, da busca de uma estética que revele suas raízes, ocorre um processo que a autora chama “tornar-se negro”.

Essa consciência de rebuscar suas origens ou mesmo de afirmação étnica e cultural, vivido na estética do cabelo e do corpo negro, é de uma importância fundamental, uma vez que marca a vida e as trajetórias dos atores sociais envolvidos nesse processo, nos mostrando que o cabelo e todos os outros signos envolvidos nessa construção de corpos, significação ou ressignificação, é bem mais que uma questão estética ou de tratamento de beleza, mas sim uma questão profundamente relacionada com a construção da identidade de um povo.

Direito à Educação: garantido e obrigatório para os jovens entre 15 e 17 anos.

Direito à Educação: garantido e obrigatório para os jovens entre 15 e 17 anos.

O ano letivo de 2016 já iniciou. Mas nem tudo está certo. Não como deveria estar. Já vou explicar.
Bruno Saldanha - Acadêmico de Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
É dever do Poder Público, conforme parágrafo 1 do artigo 5 da LDBEN, alterado pela Lei 12.796, de 4 de abril de 2013: recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica, fazer-lhes a chamada pública e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. Outra alteração “recente” na legislação educacional, mais especificamente na Constituição Federal, corresponde à Emenda Constitucional 59 de 11 de Novembro de 2009 (EC 59/09): educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. O ensino fundamental, antes obrigatório dos 6 aos 14 anos, tinha uma taxa de quase 100% de universalização. Porém, com estas alterações, se abrem duas lacunas: as crianças com 4 e 5 anos e os jovens entre 15 e 17 anos. O Poder Público, representado pelas Secretarias de Educação, precisa recensear as crianças e adolescentes nesta faixa etária (em idade escolar) e chamá-los para a escola.

A alteração pela EC 59/09, reforçada nas metas 1, 2 e 3 do Plano Nacional da Educação (PNE) de 2014, tem como data limite para sua implementação o ano de 2016. Aí começam os problemas pelos quais eu citei logo no começo do texto que nem tudo ainda está certo neste ano letivo. Temos assistido a inúmeras notícias sobre o sufoco que os municípios têm passado para construir escolas de educação infantil, reformar e aumentar o número de salas ou negociar espaços e salas de aula com o estado, entre outras formas para conseguir se adequar à nova legislação. É claro que isto não é trabalho fácil. Mas quero lembrar que esta alteração tem 6 anos, mas somente em 2013 que a maioria dos municípios começou a pensar sobre isso, tendo em vista o prazo. Claro, também após muita pressão das organizações e de pesquisadores da educação infantil. O número de crianças nesta faixa etária é grande e, de acordo com as estimativas e pesquisas atuais, em 2016 não vamos ter um saldo muito positivo. Não bastasse isso, há o problema pelo qual eu me preocupo ainda mais: a lacuna dos jovens de 15 a 17 anos. A mídia não tem debatido este outro lado da história. Tampouco os próprios representantes das secretarias, quando entrevistados, comentam a questão destes jovens.

Segundo os dados do IBGE/PNAD de 2013, referentes à população de 15 a 17 anos, o Rio Grande do Sul (RS) tem 119.845 jovens que não frequentam a escola. A situação é ainda pior quando o assunto é ensino médio: dos 545.799 jovens nesta faixa etária, apenas 292.948 estão matriculados nesta etapa da educação básica. Ou seja, mais de 130 mil jovens que estão frequentando a escola não estão na etapa adequada. Outros dados importantes se referem aos jovens de 19 anos que conseguem concluir o ensino médio: dos 156.557, apenas 76.362 concluem.

Temos, então, um duplo problema: por qual motivo estes mais de 100 mil jovens do RS estão fora das escolas e por qual motivo não parece haver preocupação em se adequar às alterações previstas na legislação, que incluem além das crianças os jovens de 15 a 17 anos?

Acontece que as crianças de 4 e 5 anos têm um lugar certo: a pré escola. Isso não significa que seja tarefa fácil, repito. No entanto, os jovens de 15 a 17 anos constituem uma problemática maior: não há etapa exata para retornarem às escolas e ainda existem outros fatores que podem ter contribuído para sua evasão (prefiro sempre o termo exclusão; logo mais explico). Estes jovens podem ter uma realidade de vida que lhes impõe a necessidade de trabalhar desde o primeiro momento em que a lei permitir (em alguns casos, até mesmo antes). Há os que precisam cuidar dos irmãos mais novos, enquanto os pais trabalham, não tendo tempo para estudar. Pior ainda, sabemos que há muitas escolhas fora da escola para que os jovens as prefiram ou vejam nelas maiores oportunidades, seja para tornarem-se “alguém” ou para conseguirem dinheiro sem a necessidade de esperar o tão demorado – e ao mesmo tempo tão incerto – momento em que haverá a formatura e os bons empregos. Estes jovens talvez sejam os maiores alvos daqueles que bradam pela redução da maioridade penal. Enfim, as possibilidades são muitas, e talvez, por isso mesmo, haja a necessidade ainda maior de o Poder Público pensar políticas e mecanismos para que estes jovens possam retornar às escolas e não terem apenas o acesso garantido, mas a permanência, a qualidade e a conclusão: efetivarem o seu direito à educação.

Quanto a isto, aprovado em 2015, o Plano Municipal de Educação em sua Meta 3 e Estratégia 3.9, diz o seguinte:promover e assegurarsob responsabilidade dos Gestores Públicos, a busca ativa da população de 15 a 17 anos fora da escola, em articulação com os serviços de assistência social, cultura, saúde e proteção à adolescência e à juventude, com ações garantidas em Grupos de Trabalho no Sistema de Colaboração dos Entes Federados.

E ainda, na Estratégia 3.10: Garantir políticas de formação básica que relacione educação cultura– trabalho com os conteúdos básicos para a população urbana de jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, e de adultos sob responsabilidade do poder público, com vistas à qualificação social e profissional para aqueles que estejam fora da escola e com defasagem no fluxo escolar.

Aprovado também em 2015, o Plano Estadual de Educação (PEE) em sua Meta 3 e Estratégia 3.12, diz o seguinte:desenvolver, sob responsabilidade dos gestores dos sistemas de ensino – administradores e normatizadores –,programas de educação e de cultura para a população jovem da zona urbana e do campo, a partir dos 15 (quinze) anos, com o foco na qualificação social e profissional para aqueles que estejam com defasagem no fluxo escolar ou os que estão afastados da escola, estimulando a participação dos adolescentes e jovens nos cursos das áreas tecnológicas, científicas e artístico-culturais.

Na Estratégia 3.13, outro ponto importante: criar, a partir da aprovação deste Plano, políticas e programas que instituam mecanismos para a redução dos índices de reprovação e de evasão, principalmente, noturnos, sob responsabilidade da Seduc e Secretarias Municipais de Educação.
E por fim, ainda no PEE: aprimorar e aprofundar, a partir da aprovação deste PEE, a reorganização do ensino médio noturno, de forma a adequá-lo cada vez mais às características e necessidades dos estudantes trabalhadores, sem prejuízo à qualidade social de ensino, por meio das ações da Seduc e CEEd.

Enfatizei estas estratégias, pois as demais se relacionam basicamente com o ensino médio e não acredito estarem conectadas com a realidade dos alunos desta faixa etária que estão fora das escolas. Como se pode ver, os Planos têm estratégias positivas para a questão destes alunos. Não vou entrar no debate da escola anacrônica e impermeável, que não consegue perceber que a sua perda de autoridade moral e pedagógica se deve, em muito, ao fato de que hoje é impossível esconder o caráter de socialização da escola, e que, portanto, ela não pode mais tentar controlar os alunos e as diferenças culturais para manter sua característica autoritária, quase militar, que limita e proíbe.

Não estamos debatendo o direito destes jovens à educação. Não estamos pensando as possibilidades de construir o reencontro entre eles e a escola. Continuamos excluindo-os. Não é possível que tantas garantias legais sejam insuficientes para que o Poder Púbico se veja na obrigação de pensar nestes jovens que há décadas estamos perdendo e excluindo da escola. Digo excluindo por que evadir pressupõe uma vontade consciente e não uma decisão com base em um contexto que não pensa as particularidades e as desigualdades. O direito à educação – não somente o acesso – tem sido cada vez mais debatido e reivindicado, mas para efetivá-lo é preciso que este debate se expanda e seja promovido e incentivado com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, conforme o artigo 205 da Constituição Federal prevê. Vale lembrar que a não oferta do ensino obrigatório é crime de responsabilidade por parte da autoridade competente, previsto no parágrafo 4 do artigo 5, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

A dúvida que fica é: as Secretarias de Educação estão se mobilizando, ainda que internamente, para cumprirem o que consta nas legislações e nos Planos Educacionais, no que tange aos direitos dos jovens de 15 a 17 anos?


Ou vamos manter a tese de que a solução é a redução da maioridade e o trabalho cada vez mais precoce, entre outras medidas que, no fim, acabam excluindo e punindo os nossos jovens?

A cosmologia do protagonismo e as nuances do consumo.


A cosmologia do protagonismo e as nuances do consumo.

Daniel da Luz Machado - Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade São Judas Tadeu e Bacharelando em Ciências Sociais pela UFRGS & Ator

 Há algum tempo atrás realizei a leitura de uma obra do Sociólogo Polonês Zygmunt Baumann chamada: Vida para consumo “A transformação das pessoas em mercadoria”. Livro excelente, o qual indico a leitura para todos aqueles que se interessam pelo assunto, mas também a outras pessoas que por algum instante em suas vidas pararam para refletir a respeito desse mundo um tanto quanto contraditório em que vivemos.


Hoje retornou em minha mente parte das impressões da época em que fiz a leitura e julguei por bem compartilhar novamente minhas impressões, visto que quando li pela primeira vez a obra escrevi em um periódico da cidade de Alvorada a respeito.

No livro “Vida para consumo”, o Sociólogo Polonês Zygmunt Baumann explicita e analisa a transformação das pessoas em mercadorias.

Não é necessário muita erudição, ou ter freqüência assídua nos meios acadêmicos para pararmos por um instante e refletirmos sobre quanto o consumo comanda nossas vidas e como nós também nos transformamos em algo a ser consumido.

Clinicas de estéticas, academias, frases de auto-ajuda e “selfs” valorizando o melhor ângulo freqüentando o lugar  badalado para postarmos nas mais variadas redes sociais online, enfim buscamos a maximização de nossa imagem de uma forma condizente com os padrões instituídos para passarmos a seguinte mensagem: Comprem-me, sou descolado, bonito, magro, interessante, de bem com a vida, sempre freqüentando locais bacanas, os problemas estruturais do país não me afetam, pois vim para vencer.

Há em nossa sociedade uma luta desumana para sermos a melhor opção, como se não fosse permitido fraquezas, dúvidas e inseguranças de todas as formas, como se não fosse permitido ser diferente do padrão.

Enquanto isso as pessoas ficam frente a frente cada uma com seu celular, navegando, mas nunca conversando e exercitando o ato da partilha de pensamentos. A instantaneidade das relações e de tudo a nossa volta é gritante a busca pelo protagonismo se torna irreversível.

Quem caminha em direção oposta a esta histeria improdutiva é descartado pelo grande mercado e logo não é uma boa  mercadoria, portanto não é passível de atenção.

O Grande Florestan Fernandes já alertava da dificuldade de ser intelectual em uma sociedade de consumo de massa, eu humildemente e sem nenhuma pretensão ouso a refletir e salientar que está difícil o simples ato de pensar ou ousar a não consumir e ser consumido em uma sociedade de consumo de massas, nem me refiro a uma busca pela intelectualidade.

Enquanto isso fica valendo o corpo, a quantidade de bens, a curta faixa de tempo que usufruirmos e depois trocamos esses bens, fica valendo as noções básicas de futilidade aplicada à lógica de mercado e o ser humano passa a valer mais ou menos de acordo com quem avalia.

Se puderem leiam esse livro, se não concordarem ao menos reflitam as suas explanações e desliguem-se dos celulares por dois minutos e reflitam se estamos ou não coisificados e a disposição na grande prateleira da vida.